quarta-feira, fevereiro 07, 2007

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Esses dias, assisti no Roda Viva uma entrevista com a jornalista e escritora norueguesa Asne Seierstad sobre a sua experiência como correspondente de guerra em países como Rússia, Kosovo, Afeganistão e Iraque. Entre outras coisas, a jornalista foi testemunha ocular da queda do Regime Taliban e de Saddam Hussein.

Sempre que penso em jornalistas como correspondentes de guerra, penso neles como testemunhas oculares da história e logo me vêm à cabeça nomes como Pedro Bial - que estava lá quando derrubaram o Muro de Be
rlin, José Hamilton Ribeiro - que, esperando a matéria que marcaria a sua passagem pelo Vietnã, não esperava que a matéria seria ele e Don McCullin - um fotógrafo inglês que também esteve no Vietnã, mas em outra frente fazendo o registro fotojornalístico junto das tropas americanas no front e também esteve na Irlanda do Norte. Outra coisa que me ocorre quando penso nesses caras é que eles são pessoas realmente corajosas porque, para a maioria dos exércitos - não importa o lado - os jornalistas pouco importam já que (a meu ver) não podem somar muito numa situação de emergência, por exemplo. A própria jornalista Asne Seierstad disse na entrevista do Roda Viva que era mais seguro para os jornalistas estarem junto às tropas por uma questão de sobrevivência. Ruim com eles, pior sem.

"Eu vi tudo, eu estava lá". Foi exatamente o que aconteceu com a jornalista entrevistada. Meu professor de história sempre dizia que uma das primeiras coisas que acontecem quando há uma mudança de regime político, é a destruição de todos os símbolos que o representam. Foi o que aconteceu com a derrubada da estátua de Lenin, com a queda do Muro de Berlin e a Queda da Bastilha. Não poderia deixar de ser assim no Iraque depois da derrocada do regime de Saddam e seus amigos. Ela estava lá e viu tudo. Junto de três amigos iraquianos que a acompanhavam e que, naquele exato instante, representavam uma amostra fiel dos três grupos principais que estavam envolvidos naquele contexto: os xiitas, os sunitas e as mulheres.

No dia em que derrubaram a estátua de Saddam Hussein que ficava no centro de Bagdad, esses três amigos que estavam com
Asne Seierstad tiveram reações completamente distintas diante do que viam: o xiita ficou emocionado com a cena e começou a chorar, por acreditar que aquele ato representava o início de uma nova era de mais liberdade para os iraquianos; já o sunita não teve a mesma reação e revolta por considerar tudo aquilo uma verdadeira afronta ao antigo regime, que não poderia passar despercebido e precisava de represália; tudo sob olhares silenciosos da mulher, que somente assistiu sem se manifestar pra nenhum dos lados. Depois desse dia, os três amigos que, apesar de representarem lados distintos da situação que conviviam em certa harmonia durante a Ditadura, seguiram cada uma para o seu respectivo lado: o xiita passou a defender os direitos civis e de liberdade de expressão; o sunita passou a apoiar a luta armada e ataques com homens-bomba e tudo mais; e a mulher, assim como todas as mulheres muçulmanas, se preparou para juntar os cacos deixados pela guerra e cuidar das crianças.

Houve uma época que eu quis ser jornalista. Uma amiga minha me perguntou se eu iria pra alguma guerra fazer cobertura se precisasse. Lembro que disse a ela que iria sem pestanejar. Mas depois de alguns anos e lendo (uma coisa aqui, outra ali) sobre a rotina desses profissionais, penso que são pessoas realmente corajosas e que têm que abdicar de s
ua dignidade e, às vezes, a própria vida para que outras pessoas vejam através de seus olhos o que dificilmente os nossos veriam de lugares onde nossos pés nunca nos levariam. Acho que jornalismo deve ser isso.

Em homenagem a eles, vai aí um trecho da reportagem "Eu estive na guerra", de José Hamilton Ribeiro, publicada na edição de maio de 1968 de Realidade.

Ouço uma explosão fantástica. É um tuimmm interminável, que me atravessa os ouvidos de um para o outro lado, dá-me uma sensação de grandiosidade. Sinto-me no ar, voando, mas ainda assim com certa tranqüilidade para pensar: "A guerra é de fato emocionante. Agora entendo como há gente que pode gostar de guerra..."

Uma cortina de fumaça bloqueou-me toda a visão. Tive a certeza, então, de que a bomba havia explodido a alguns metros de mim, exatamente sobre o Henry, o soldado americano designado para me acompanhar.

— Henry, você está bem? Henry!... Henry!...

Um segundo depois me senti no chão, sentado. A cortina de fumaça se esgarçou e vi aproximar-se o Shimamoto, fotógrafo japonês que trabalhava comigo. Pergunto-lhe:


— Shima, você está bem?


Sem responder, ele continuou caminhando para mim. Foi aí que senti a perna esquerda. Os músculos repuxavam para a coxa com tal intensidade que eu não me equilibrava sentado. Para não cair, rodopiava sobre mim mesmo, em círculos e aos saltos. Instintivamente, levei as mãos para "acalmar" minha perna esquerda, e foi então que a vi em pedaços. O sangue brotava como de torneiras. Olhei em volta e não achei meu pé...

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

tanta dedicação engolida feito peça de quebra cabeça nos joguetes da Rede Globo =}

6:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

Visite http://urarianoms.blog.uol.com.br/

11:17 AM  
Blogger L i s e M a r i a n e said...

Eu vi uma entrevista de um fotográfo de guerra, ele conta que ainda sonha com toda aquela merda.


saudade viu?

9:55 AM  
Blogger Leonardo Petersen Lamha said...

E penar que Pedro Bial presenciou coisas tais, e agora apresenta o Big Brother com tanto entusiasmo.

Desculpa a visita repentina. Gostei muito do seu blog.

5:23 PM  

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