terça-feira, agosto 29, 2006

Crime hediondo

"Devia ser proibido debochar de quem se aventura a ler Budapeste, o romance de Chico Buarque de Holanda. O compositor é tão fadado à felicidade no que faz, tão fecundo nos fãs, que a fé dos fãs é facultada."

Acabei de ler essa frase escrita pelo jornalista e escritor Urariano Mota em um artigo que fala sobre o último romance do Chico Buarque, "Budapeste". Sempre achei muito engraçado o jeito como as pessoas se referem ao Chico Buarque. É como se fosse considerado um crime hediondo falar mau dele nesse país, ou em qualquer outro lugar do mundo onde já se tenha ouvido falar da figura dele. Sempre que penso nisso, imagino a seguinte situação fictícia, porém, bastante factível:


Um cara no centro do Rio de Janeiro leva um banquinho e brada aos quatro ventos:


- Chico Buarque é uma merda!!! Foda-se maconhero viadinho!!!


Dito isso, o pobre infeliz desce do seu banquinho e sai correndo antes que alguém perceba o crime que ele acabou de cometer. Para seu azar, alguém que gosta muito de Chico Buarque ouve suas infelizes palavras e resolve denunciá-lo a um policial que tava passado por alí no momento do crime.


- Seu policial!!! Ele saiu correndo por ali...


Então o policial, que também ouviu o grito do pobre infeliz resolve acionar, pelo rádio, seus colegas que se encontravam há alguns metros do local sai correndo em direção ao criminoso. Sem ter muito o que fazer nem para onde ir, o pobre infeliz desiste de sua fuga e se entrega aos policiais que o levam em direção à delegacia mais próxima para registar a ocorrência.


Logo em seguida a frente da delegacia se enche de curiosos tentando saber o que teria levado o pobre infeliz a cometer um crime de natureza jamais imaginada em pleno local público. Alguns se perguntavam como poderia ser possível. Outro discutiam qual seria a sua pena uma vez que um crime como aquele não tem perdão. O que não se discutia era a leviandade do crime cometido.


O pobre infeliz, já na delegacia, é levado à uma sala para que seja feito o interrogatório. O delegado, que tratava de um assunto de família, tira o lenço dado por sua avó em seu aniversário de casamento e enxuga o suor de sua testa emquanto respira fundo, pois se vê obrigado a largar tudo que fazia para dar exclusividade ao caso inusitado.


Conduzido pelo policial que capturou o pobre infeliz, o delegado se dirige até uma ante-sala para ver o rosto do criminoso através de um vidro. Com certa angústia em suas palavras, o delegado pede ao policial que descreva o ocorrido para que não haja equívocos na hora do interrogatório. O policial, então, descreve o crime com certa riqueza de detalhes e logo depois pede para se retirar da sala, pois não se sentia bem. O delegado enxuga mais uma vez o suor de sua testa e entra na sala, senta na cadeira e fala:


- Filho, acabei de ouvir de um policial o que você fez. Só quero que me explique porque você disse aquilo.


O pobre infeliz levanta a cabeça pela primeira vez desde sua captura e, olhando fixamente para o delagado, diz:


- Dotô! Eu digo e até repito mais uma vez se o senhor quiser...


- Não precisa falar mais nada, meu filho. - interrompe o delegado já se levantando da cadeira.


O delegado não consegue acreditar no que lhe acabara de acontecer. Só consegue pensar que algo daquela natureza não pode ficar impune, não tem perdão. Não em sua delegacia.


O pobre infeliz é imediatamente encaminhado à julgamento sob acusação de crime hediondo e deve pegar uma pena que pode ir de prisão perpétua à pena de morte*.


O caso ganha destaque em todos os principais jornais do país e algumas televisões já negociam a transmissão ao vivo do julgamento, em rede nacional. Analistas sociais, intelectuais, educadores, artistas discutem a natureza do crime ocorrido e o perfil do acusado em fóruns e debates em programas de tv, porém sem chegar à conclusões sólidas sobre nenhum dos aspéctos.


Quando é chegado o dia do julgamento e o acusado é repudiado por uma multidão que aguarda sua sentença em frente ao fórum. O Meritíssimo Juíz e os doze jurados, depois de ouvir as testemunhas, os advogados de defesa e acusação, ver o vídeo da reconstituição do crime, deixa claro que aquela não seria uma sentença fácil de se dar - afinal de contas, ele poderia condenar pela primeira vez, em muitos anos de carreira, alguém à pena de morte. Depois de uma breve declaração do Meritíssimo Juíz, os jurados se recolheram à uma sala secreta para chegar à um veredito, que deveria ser unânime.

Algumas horas depois, o representante dos jurados lê em voz alta o veredito:

- Nós do júri, julgamos unânimemente que o réu é culpado pelo crime de ter ofendido com palavras, impronunciáveis em sã consciência, a figura de Chico Buarque de Holanda, um grande baluarte de nossa música e literatura.


Em meio a gritos de satisfação e falatório geral dentro e fora das dependências do Fórum, e Meritíssimo Juíz pediu silêncio encarecidamente, tendo que recorrer a seu martelo por um certo período de tempo até que a multidão se acalmou. Só assim pôde dar a sentença ao réu:

- Pelo crime hediondo de ofensa verbal ao nosso grande Chico Buarque, eu, Meritíssimo Juíz, sentencio o réu à pena de morte em última instância, impossibilitando-o, portanto, de recorrer de sua sentença. Que Deus tenha piedade de sua alma.


A multidão comemora a sentença apesar de alguns ainda discutirem se a pena de morte seria a mais adequada. Uns dizem que sim, outros que não. O que não se discute é a leviandade do crime cometido pelo pobre infeliz.




Definitivamente, é considerado crime hediondo falar mau de Chico Buarque nesse país.


* O Código Penal Brasileiro não permite nenhuma das duas penas, esta é só uma licença poética.

1 Comments:

Blogger j. said...

também não entendo. eu até respeito o cara, mas não gosto dele, e quando digo isso, as pessoas me olham como eu fosse uma et. bá.

3:28 PM  

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